Meu lado boazinha está com os dias contados. Tudo começou quando folheei o livro de um psicanalista que jura que os bonzinhos, na verdade, são os pérfidos. E que a tal compulsão por doar-se é, na verdade, uma armadilha perfeita para os egoístas, aqueles tipos que olham o mundo através do próprio umbigo. A partir daí, comecei a me olhar com uma certa estranheza. E descobri que essa minha tendência de ser gentil, de tentar solucionar os problemas alheios, tem um quê de Mefistófeles, depois de Satã o mais notável administrador do inferno.
Esta semana então, eu me senti mais pérfida do que nunca por conta de um, digamos, acidente de percurso. Tentando solucionar os problemas de uma amiga, e fazendo de tudo para não melindrá-la, tenho certeza de que fiquei, como dizem por aí, "mal na fita". Acabei choramingando no divã de minha analista no início da semana. Choramingando é pouco, eu estava morrendo de raiva por ter sido mal interpretada. Logo eu, que só queria ser gentil, generosa e acolhedora. Depois de ouvir aquele rosário de reclamações, minha analista deu o diagnóstico, que foi como um soco na barriga. Diagnóstico não, sorry, na verdade ouvi atentamente a interpretação dos meus atos supostamente delicados.O problema todo é que o mundo é feito de frustrações e privações, e eu, com esse meu jeito maternal de ser, vou cercando o outro de todos os cuidados que ele precisa, praticamente lhe oferecendo o paraíso, como costumo oferecer às pessoas de quem eu gosto. Trocando em miúdos, o beneficiado em questão fica se sentindo todo pimpão, como um bebê onipotente que não sente falta de nada. Até que eu digo o primeiro NÃO, e, então, o outro se desilude. Pode até parecer que a desilusão é comigo, mas não é. O outro se desilude com o mundo, coisa que ele já deveria ter feito há muito tempo. Ouvir aquilo tudo na solidão do divã deixou claro a urgência que eu tenho de trancafiar o meu diploma de boazinha. Para que ser boazinha se, depois de tudo, você acaba se transformando praticamente num gênio do mal? Afinal, para o tal psicanalista do livro, o bem é uma versão mais sofisticada do mal. Por conta disso, no final da consulta, eu me despedi da minha analista com um "Então já sei o que fazer a partir de agora: vou oferecer o inferno às pessoas".
Texto da Bety Orsini - no globo online de hoje.
Papai do céu manda recados....eu recebo!